Como a chefia autoritária resulta na malandragem – e por que herança ibérica é solução para males corporativos
Por Alexandre Teixeira
Palavras fortes como malandragem, medo e trapaça têm sido usadas através dos tempos para descrever o ambiente de trabalho em empresas brasileiras. Na opinião de Alfredo Behrens, professor de Gestão Intercultural no MBA Internacional da Universidade de São Paulo, isso é fruto de uma hierarquia exagerada que produz chefias autoritárias, das quais os subordinados “escapam” por meio de subterfúgios pouco nobres. Mais ou menos como se transplantassem a saga de Macunaíma para o mundo corporativo. "Resolver esta tensão prejudicial à produtividade nas nossas relações trabalhistas requer não apenas reconhecer a profundidade das suas raízes culturais mas também a audácia necessária para por em prática soluções tão antigas quanto as razões que provocam os resultados indesejados", afirma Behrens em "Para se entregar ao trabalho é preciso gostar do chefe", um texto inédito com potencial para provocar polêmica.
O personagem de Mário de Andrade está em boa companhia nas raízes dessa espécie de resistência não agressiva à tirania das chefias. Do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, ao João Grilo, de Ariano Suassuna, heróis sem nenhum caráter inspiram-se no Leonardo Pataca de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida. Se há um pouco deles em cada trabalhador brasileiro – e muito do espírito de capatazes de fazenda em seus líderes – que chances têm de prosperar no país as técnicas administrativas americanas, baseadas na autonomia que pressupõem concedida a cada indivíduo? "Sem essa autonomia, mas coagidos pelo poder de uma hierarquia exagerada, os empregados buscam proteção driblando os processos, buscando se congraçar com os chefes dos seus chefes; ocultam erros seus e os dos seus cúmplices, e trabalham sem entusiasmo", escreve Behrens. "Técnicas estrangeiras, tais como os incentivos individuais, perdem eficácia diante de indivíduos que não são autônomos; e a frustração diante dos magros resultados favorece os recalques autoritários, reforçando as atitudes evasivas dos empregados".
Economista formado pela PUC do Rio de Janeiro, com mestrado pela FGV e Ph.D pela Universidade de Cambridge, Behrens descreve essa cultura organizacional gestada entre o autoritarismo e a sabotagem como opressiva – e impermeável a soluções da moderna administração de empresas. "As raízes do temor e a desconfiança são tão antigas que nenhuma ação de relações públicas ou integração de equipes, por parte da empresa, conseguirá resolver satisfatoriamente", afirma. "A desconfiança leva ao desengajamento". O resultado são escritórios povoados por funcionários que arrastam os pés, fazendo apenas o mínimo necessário para escapar de uma reprimenda. Processos e hierarquias são desrespeitados, às vezes substituídos pela busca de laços pessoais que assegurem proteção. Lealdades são geradas pelo paternalismo, interesses compartilhados entre chefes e subordinados resultam, por exemplo, na ocultação de erros das instâncias superiores. Ou, no sentido inverso, de cima para baixo, no uso do favoritismo para cooptar aliados entre os subordinados.
A solução para interromper esse ciclo vicioso não parece estar nos manuais de administração americanos e europeus. A sociologia rural e o estudo de movimentos camponeses sugerem que a resistência passiva observada nas empresas brasileiras pode ser eficaz quando a confrontação aberta não é uma possibilidade, na medida em que prejudica os resultados pretendidos pelo patrão. "Seria surpreendente se no Brasil, país de urbanização tão recente, as estratégias de resistência passiva não tivessem migrado para as cidades junto com as pessoas", escreve Behrens. Ele argumenta que, como essas estratégias têm raízes culturais profundas, os possíveis instrumentos para promover a mudança devem também incorporar a tradição. Se é verdade que nossa formação cultural "autoritária, intolerante e paternalista" é tipicamente ibérica, é certo também que – depois do período de dominação árabe – as explorações portuguesas e as conquistas espanholas resultaram em recuperação de território e expansão do poder.
"Quem sabe precisemos da audácia de buscar inspiração nas formas antigas de gestão de pessoas que produziram esses grandes feitos, no lugar de imitarmos formas de gestão de pessoas, desenvolvidas observando outros povos, que entre nós produzem resultados medíocres, frustração e subdesenvolvimento", afirma Behrens. Ele sugere, por exemplo, incorporar nos mecanismos de resolução de conflitos das maiores empresas brasileiras um sistema inspirado na administração da Justiça de Isabel, a Católica. A primeira instância ali era administrada por corregedores, transferidos de comarca a cada dois anos para evitar que caíssem na influencia dos poderosos locais. Assim como a Rainha Isabel conseguiu limitar o exagerado poder dos senhores feudais, as empresas modernas conseguiriam limitar o caráter autocrático da média gerência, incorporando corregedores selecionados dentre seus aposentados mais respeitados – que se tornariam guardiões da cultura organizacional e árbitros independentes. "Esta e outras soluções", escreve Behrens, "podem ser desenvolvidas em sintonia com a nossa cultura para promover o bem-estar no trabalho".
Revista Época Negócios, 11 de novembro de 2010.
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