Tuesday, July 12, 2011

CHINA 2011: PERCEPÇÕES E OPORTUNIDADES



A simples interação com um povo que em menos de 60 anos viu morrer milhões de compatriotas de fome, que não tem escola nem saúde grátis, que não possui um sistema previdenciário que permita alguma independência dos idosos em relação a família e ainda assim, nesta década, é capaz de refazer-se e retomar uma história de grandeza através de uma jornada diária de dez horas ou mais, sem a quantidade de dias de descanso – ou a balada - a que estamos acostumados no Brasil.

Para exemplificar um resultado isso, lembro um jovem amigo brasileiro que mora em Guangzhou, os jovens chineses são iguais aos brasileiros e aspiram as mesmas coisas, mas com uma diferença: os brasileiros querem realizar os sonhos sem perder conforto, balada e outras vantagens que a sociedade lhe propicia enquanto o jovem chinês trabalha 10 horas para dia durante 7 dias da semana, contente, para construir o mesmo!

Os chineses que conhecemos, e convivemos, são um povo disciplinado, focado, capaz de viabilizar o que está sendo catalogado pelos estudiosos como as novas tendências nos mercados: a customização, com afastamento contínuo da produção em massa. que passou por agruras da natureza e por domínios estrangeiros ao longo de sua história recente e que,depois de tudo, trabalhar com tenacidade para alcançar suas metas já se constituiria em uma experiência agregadora.

Mas a experiência propiciada pela FIA, através do Prof. James e sua equipe, deu oportunidade e muito mais do que isso, especialmente em comparações que se pode fazer com o Brasil. Se não, vejamos: Como ainda estamos festejando os resultados dessa década para o Brasil, 2010, como uma das melhores de nossa história, a experiência vivida vai estimular algumas reflexões para revermos nossas posturas e métodos de auto avaliação. Essa década foi uma das mais favoráveis a economia
mundial, especialmente a um conjunto de países catalogados como BRICs, depois transformados em BRICS. Pois bem, a China foi a que mais usufruiu dessa fase, a que mais cresceu, enquanto o Brasil não conseguiu crescer a metade do que ela e ainda ficou muito abaixo do penúltimo colocado.

Isto nos permite afirmar que, para o Brasil, foi outra década perdida, como a de 1980, pois além desse dado, foi a economia que mais perdeu competitividade/produtividade entre todos os países que compõe esse grupo. E devemos lembrar ainda que o contexto mundial, durante os anos 1980, não foram boa referência para a historia econômica mundial!

A habilidade do povo chinês fica evidente em coisas simples e grandes. Nas simples, esculpindo nossas fisionomias em feiras ou ateliês, ou construindo-as a partir de fotografias, por presença ou encomenda de todo o mundo. Ou dois chinezinhos chegam ao seu Hotel à noite para anotar suas medidas e no dia seguinte trazem ternos, blazers ou camisas para você e sua esposa experimentarem, retocarem e a noite desse dia entregarem guarda roupa novo!

Em Xian pode-se conhecer milhares de estátuas construídas por milhares de chinezinhos há muitos séculos, que foram redescobertas nos anos 1970, que se diferenciam de monumentos semelhantes - no mundo - por não repetirem um só rosto entre essas dezenas de milhares de estátuas. Essa capacidade deles produzirem peças, e réplicas, dificilmente encontrarão similaridade em outras culturas.

Costumamos valorizar o chamado jeitinho brasileiro - ou latino porque aparece em países como Cuba, Paraguai e outros – mas não observamos que em geral ele está a serviço da manutenção do statu quo, como conservação de um velho carro, a simplificação de um processo que leva apenas a sobrevivência, ou se não, pior: em benefício próprio.

Voltei com a convicção de que o melhor que temos a fazer é tentar, com eles, aprender novas formas de tratar o conceito de direito autoral porque a questão da chamada pirataria chinesa não parece ser apenas uma questão jurídico-econômica, devidamente sustentada pelo maior mercado de produtos pirateados do mundo: os EEUU.

Por outro lado, nosso sistema de previdência social – ocidental - baseado no modelo bismarkiano, lá não existe por isso não necessitarão de reformas radicais como as que estão sendo implementadas na Europa e que estamos postergando. Na China também não irá funcionar a base da cálculo atuarial que usamos porque eles tem um índice de natalidade negativo. Certamente criarão outro e o melhor que podemos fazer é estar atento para aprender.

Outra diferença que registramos se refere ao modelo de socialismo. No Brasil socialismo é sinônimo de paternalismo, mantido por um infantilismo coletivo onde o estado-pai é responsável até pela felicidade do cidadão! O modelo de socialismo deles implica em trabalharem 10 ou mais horas por dia durante os 7 dias da semana. Certamente estão reinventando a economia de mercado e o melhor que podemos fazer é estar atento para aprender.

Já o discurso deles inclui preocupações com o meio ambiente e certamente, daqui a 20 ou 30 anos eles sofrerão pressões internas e externas para gerar alternativas a todos esses conjuntos de 10 ou mais torres de apartamentos de mais de 30 andares cada que tenderão a se transformar em cortiços por falta de recursos de seus integrantes – envelhecidos – devido aos custos de manutenção que serão necessários.

Uma questão a destacar e que tem influência na área de negócios é a forma de estabelecerem os vínculos. Certamente o desenvolvimento cultural, o tempo e as tecnologias produzirão menos controle sobre a população mas esse traço, de fortalecer relações, é algo que está na cultura e não mudará em menos de um século. E precisamos lembrar que diante de culturas assim não se improvisa!

Outro fato que destaco é que nossa estada coincidiu com as comemorações dos 90 anos do Partido Comunista, no dia 3.7.2011.Pelo que vimos fica claro que do comunismo, como aprendemos no Brasil, eles tem apenas a estrutura de um regime que pode planejar muito bem as áreas básicas porque controla os fluxos de pessoas com relativa facilidade, dado o modelo implantado de fornecimento de identidade – que lá é municipal - versus assistência médica e educação.

Na Tonji University nos apresentaram com clareza os objetivos para 15 e 20 anos: apenas 90% da população nas cidades, atuando – preferentemente – em indústrias de alto valor agregado, altas tecnologias (especialmente biotecnologia)e serviços. Pouco vai restar, portando do símbolo foice e martelo.

O pragmatismo deles, em favor do coletivo, apresenta o caminho inverso do que ainda tentam movimentos latino americanos, tipo MST, Hugo Chaves etc. com custos que inviabilizam qualquer estado no longo prazo.

Também devemos ter presente que eles tem um sentido muito aguçado de hierarquia, sendo difícil imaginar uma psicologia ocidental, individualista e social, onde o estado fica com o ônus e os indivíduos com o bônus é diferente da de lá, onde se exige que o bônus seja social (grupo), ficando o ônus do individual.

Mas saímos com a dúvida sobre como eles poderiam interagir dentro de um regime que não seja fechado. A rigor, dentro de seu processo histórico só viveram assim, mas certamente inventarão algo coerente com sua estrutura neuro psicológica para a próxima fase histórica, novamente como líderes em economia que é um de seus principais objetivos.

Até agora o governo vem usando a poupança forçada da população, ao não assumir o ônus
tradicionalmente de governos ocidentais, em termos de saúde, educação etc. Eles evidenciam preocupação com isso devido ao distanciamento progressivo entre ricos e pobres, mas o que vão inventar para não repetirem os erros do modelo ocidental já em agonia na Europa?

Exceto na alta burguesia, que é igualmente pasteurizada em qualquer lugar do mundo, eles ainda não absorveram o conceito de grife como temos. A referencia da família e o estágio atual de migração campo-cidade (que a revolução cultural tentou inverter) exigem outro conceito quando se estiver falando a respeito de brand.

Acredito que eles serão criativos e encontrarão meios diferentes de nosso processo histórico evolutivo. Até porque, se não o fizerem, correrão o risco de se transformar em um novo Japão, que vive em recessão porque perdeu a competitividade, mas eles parecem sempre querer aprender com os erros dos outros.

Neste momento, eles nos oferecem cerca de 42 milhões de chineses ricos enquanto nós
disponibilizamos cerca de 5,8 milhões de brasileiros nessa condição. Eles estão colocando no mercado 300 milhões de nova classe C, enquanto nós estamos disponibilizando cerca de 30 milhões. Coloco então as questões que me estão desafiando:Qual os espaços de nossas marcas, justamente em segmentos onde ainda não competimos (Armanis, Bulgaris, Ermenegildos, etc.) e que ainda não estão ocupados?

Nesse contexto, o que mais ocupa a mente dos Empresários brasileiros? Parece que para muitos seriam os custos dos salários, que para mim não representam a principal variável no processo de competitividade deles, mas quanto tempo essa variável poderá ser usada? E os mercados que os chineses desenvolverão, no âmbito dos mercados de sua nova influência política, que oportunidades vão criar?

Continuaremos apostando em que eles vão necessitar, cada vez mais, de matérias primas e alimentos de que somos bons produtores ou vamos escutá-los para saber o que precisarão, já que disso eles já estão providenciando novas fontes de matérias primas e alimentos na África?

Como povo, nós temos a grande vantagem de não estarmos na lista negra deles nem de termos desavenças históricas. Dentro do BRICS só nós e a África do Sul dispomos dessa condição. É um bom começo, mas certamente não bastará porque eles privilegiam, sempre, as relações estáveis, históricas. Conseguiremos algo improvisando e dando um jeito em cima da hora?

Onde estarão nossas Empresas, no contexto mundial, se continuarmos priorizando a identificação de nichos, entre os chineses, de fornecimento de produtos com baixo preço para garantir lucros (apenas) para o ano que vem?

Voltei pensando nisso e em muito mais. Pensando na minha postura em favorecer um pensamento de curto alcance, quase como se estivéssemos andando orientados pelo próprio umbigo!

Meus agradecimentos aos colegas pela agradável convivência e oportunidade de aprendizagem sobre objetivos de uma nova geração. Ao James e Equipe o reconhecimento pelo trabalho em favor do Brasil.

Getúlio Ponce é Ex-Aluno do MBA Executivo da FIA e Sócio Diretor da Ponce & Associados e do Consórcio Empresarial Tekowam, com atuação nas principais capitais brasileiras, Assunção, Buenos Aires, Montevidéo e Santiago.
www.tekowam.com

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