Da estratégia que a transformou na segunda
maior economia do mundo à forma de fazer negócios, são muitas as diferenças
entre China e Brasil, como pudemos observar mais uma vez na recente viagem que
fizemos ao país asiático com os alunos do nosso MBA Executivo Internacional.
Mas também há semelhanças importantes, entre elas as afinidades culturais dos profissionais
dos dois países, como aponta Ling Wang no artigo “Brasileiros e chineses,
parecidos ou diferentes?”, publicado na revista Marketing Industrial. Sócia da
Win Education Business Support e palestrante do Profuturo na preparação dos
grupos que viajam à China, Ling Wang aponta pelo menos sete dimensões culturais
relevantes em negócios internacionais em que brasileiros e chineses são
parecidos. Saiba mais lendo o artigo.
Brasileiros e chineses, parecidos
ou diferentes?
Hsieh Ling Wang
Ao longo de sua história, o
Brasil conheceu 4 ondas de imigração de chineses. A primeira foi na década de
50, famílias vieram diretamente da China, solução encontrada para evitar o
período de conflitos entre os partidos nacionalista (KuoMingTan) e comunista, o
qual posteriormente fundou a República Popular da China.
Em seguida, dezenas de milhares vieram de Taiwan. É o caso da minha família que
imigrou para o Brasil na década de 60 seguindo a revoada dos chineses que
buscavam oportunidades de desenvolvimento nos países da América do Norte,
Europa e América do Sul, já que a economia era de tamanho limitado e ainda sem
a vocação encontrada anos depois como exportadora de produtos manufaturados.
Muitos haviam vindo da China continental para Taiwan. Grande parte chegou ao Brasil
de navio numa travessia de mais de 45 dias. Este era o meio mais econômico e
permitia trazer até 1 tonelada de bagagem por viajante.
A maioria dos componentes destes dois grupos contava com formação educacional e
profissional sólidas. Poucos trouxeram fortuna. Porém conseguiram se
estabelecer no Brasil e hoje, na segunda ou terceira geração, estão inseridos
na sociedade brasileira com clubes, entidades religiosas, representantes da
classe política, advogados, empresas de capital aberto e importadoras.
O terceiro grupo chegou há 15 anos. São chineses com tino comercial, garra e
conexões para prosperar no comércio. A origem e a trajetória deles é semelhante
ao dos trabalhadores migrantes da China que vão para uma metrópole ganhar a
vida deixando na vila a família e a vida rural. As conexões incluem
família/conhecidos, fornecedores da cadeia de suprimentos e facilitadores da
viagem ao exterior.
Mais recentemente, o Brasil vem recebendo outro grupo de chineses, geralmente
com boa formação e experiência internacional: são os executivos e profissionais
que vieram fundar ou administrar as subsidiárias brasileiras das empresas
chinesas. Estas empresas obedecem à lógica da internacionalização da China:
busca de insumos necessários à China (petróleo, minérios, alimentos) e acesso
ao mercado. O suporte em logística/serviços para o escoamento dos insumos
acontece em paralelo.
Esta última onda segue a estratégia definida pelo governo da China. Ainda que
silenciosa, já representa investimentos significativos no Brasil. É assim que
(pouco) ouvimos falar dos bancos chineses, das montadoras e das aquisições de
linhas de transmissão de energia.
Como imigrante sino-brasileira, tento compreender a integração de cada um
destes grupos com a sociedade brasileira. E observo como os brasileiros
percebem as diferenças entre as culturas brasileira e chinesa.
Com o aumento das relações comerciais entre os dois países a partir de 2000,
algumas empresas no Brasil identificaram a necessidade de incrementar o
relacionamento com as empresas chinesas, compreender melhor as práticas
comerciais bem como avaliar o efeito das diferenças culturais na maneira de
fazer negócios.
Desta forma, pude não só aplicar os meus “estudos” sobre as duas culturas, como
vim a aprimorar meu entendimento com situações reais.
É neste ponto que convido os leitores a refletir:
Brasileiros e os chineses, somos
parecidos ou diferentes?
Em nosso trabalho, uma das
atividades consiste em preparar profissionais e empresários brasileiros para
fazer negócios com empresas chinesas, seja para negociar ou estabelecer a
empresa na China ou mesmo para viver/trabalhar lá. Recentemente, tivemos
contato com um novo público: os profissionais chineses que chegam ao Brasil
para trabalhar com os brasileiros.
Não vou abordar as dificuldades que empresas entrantes encontram ao iniciar
atividades em qualquer país. Mas até agora, me parece que a vida do expatriado
chinês é bem menos fácil. Só para ficar em um item: os pacotes de expatriação
das empresas chinesas são menos favoráveis.
Contudo, reconheço na atitude destes chineses alguns pontos comuns aos grupos
de migrantes que chegaram antes deles: pragmatismo, dedicação ao trabalho e
vontade de prosperar. Ainda que não tenha a mesma pressão de “queimou a ponte”,
este grupo trabalha como se tivessem o mesmo sentimento, a mesma urgência.
Penso que isto decorre da motivação presente na maioria dos chineses: querer
ficar rico e ser o melhor. Esta postura, no entender dos chineses, não é feia.
É motivo de orgulho. Todo chinês sabe: “Enriquecer é glorioso” - frase
atribuída a Deng Xiao Ping, por ocasião da abertura da China com a criação das
Zonas de Desenvolvimento Especiais, na década de 70.
Desde então, a economia da China (ainda que em desaceleração) tem sido pujante
trazendo prosperidade para grande parte da população. Mas o sentimento de
“perdemos muito tempo” move os chineses.
Estes temas são abordados com os profissionais brasileiros que se preparam para
trabalhar com chineses ou para a expatriação representando empresas brasileiras
na China. Nestes processos avaliamos algumas dimensões culturais relevantes em
negócios internacionais e comparamos o perfil cultural do profissional com o
perfil cultural do país onde mora (Brasil) e do país para onde será enviado
(China).
O curioso é que as duas culturas
são semelhantes:
1. Percepção de hierarquia - “eu
prefiro estruturas hierárquicas ou não-hierárquicas?”.
As duas culturas têm alta percepção de hierarquia. Para elas, as diferenças de
status são aceitas como normas, especialmente por aqueles em posição inferior.
2. Relacionamento vs. Orientação para tarefa – “o que e’ mais importante para
mim: o relacionamento ou a tarefa?”.
O que é mais importante em negócios? Concentrar na tarefa a ser realizada e
resolver o problema de maneira eficiente e imediata? Ou criar e manter um
ambiente de trabalho harmonioso no qual o bom relacionamento entre os
indivíduos é valorizado? Brasileiros e chineses preferem preservar o
relacionamento e manter o ambiente agradável. E este aspecto tem tudo a ver com
o próximo item.
3. Comunicação Indireta vs. Direta – “como eu me comunico?”.
Nenhuma das duas culturas gosta de se expressar abertamente (“bater de frente”)
ou tomar posição clara, do tipo “doa a quem doer”. Criticar, só se for de
maneira sutil e por códigos. Manter a harmonia e resguardar a face é essencial
para brasileiros e chineses.
4. Analítico vs. Pragmático - “como eu resolvo problemas?”.
Chineses e brasileiros tendem a ser pragmáticos para tomar decisões e resolver
problemas, diferente do que acontece naquelas culturas em que a análise do
problema e da estratégia tomam mais energia e tempo.
5. Lidando com a Incerteza – “como eu reajo a mudanças e risco?”.
Com diferença pequena, as duas culturas têm boa tolerância a riscos e ao
desconhecido. São abertos a novas maneiras de fazer coisas e não percebem as
rupturas na rotina como ameaças, tendendo a tratar mudanças como oportunidades
de melhoria.
6. Racional vs. Intuitivo – “minhas decisões são lógicas ou intuitivas?”. As
duas culturas são mais intuitivas, apoiam-se mais em instinto e feeling para
tomar decisões. Isso não significa que ignorem fatos e dados sólidos, mas
muitas vezes decidem baseado em critérios que nem sempre parecem lógicos.
7. Multi-focused vs. Single focused Time– “qual a minha atitude em relação ao
uso do tempo?”.
Nesta dimensão, as duas culturas podem ser consideradas multi-focused, ou seja,
fazem várias coisas ao mesmo tempo. Mas os brasileiros são significativamente
mais “multitarefas”.
Ora, se essas são as dimensões
que contam na hora de fazer negócios, as duas culturas não parecem tão
diferentes.
Mas foi conversando com amigos
brasileiros sobre este artigo que consegui identificar outros fatores, conforme
resumiu meu amigo João na seguinte pérola:
“Enriquecer é glorioso, mas depende de...
● Educação
● Meritocracia
● Planejamento
● Pragmatismo
● Pressa
● Trabalho duro e
● Governo que preste”
Então, brasileiros e chineses são mais parecidos que diferentes?
Para entender melhor os chineses,
uma sugestão de leitura: Recentemente li As Garotas da Fábrica, (Leslie T.
Chang), livro que me relembrou que por trás de um celular ou um par de tênis há
histórias de trabalhadores migrantes com trajetórias semelhantes - saindo de
vilarejos rurais para cidades industriais – e sonhos de ascensão social movidos
a trabalho em fábricas em condições extenuantes (6 dias por semana, 11 horas
por dia) e nem sempre salubres.
Reconheci no livro algumas empresas que visitei na China. Muitas delas possuem
dormitórios anexos às fábricas onde milhares de operários moram e trabalham,
voltando para ver a família na aldeia apenas no feriado do Ano Novo. É para
essa época que este contingente de migrantes economiza dinheiro, que é
convertido em presentes e melhorias na casa da família.
O livro descreve como estas batalhadoras, deixando a extrema pobreza do campo,
sonham em sair da linha de montagem para uma função no escritório, onde
salários são mais altos e a carga de trabalho pode ser mais leve. Para
progredir, investem em cursos de inglês e informática. Mentir sobre a qualificação
ou comprar documentos falsos também fazem parte do repertório. Trocar de
emprego é parte da busca permanente por um futuro mais próspero.
O livro estima que em 2004 eram mais de 130 milhões de trabalhadores-migrantes,
a maioria mulheres, cujo salário mensal inicial na linha de montagem era de
pouco mais de 600 RMB (aprox. 100USD). O salário mínimo da província de
Guandong, em 2004, era de 70 a 110USD.
Atualmente, o valor do salário mínimo na China está próximo de 1500 RMB
(aprox.250USD). No Brasil, o salário mínimo é R$880,00 (aprox.220USD); em 2004
era R$260,00 (aprox.90USD).
Hsieh Ling Wang é farmacêutica
com mestrado em bioquímica e administradora. É sócia da W!N Education, Business
Support. ling@winbusiness.com.br
Fonte: Revista Marketing
Industrial, Edição 70